Dourados não pode errar!
Renato Câmara (*)
O potencial de contaminação do novo coronavírus é um dos fatores que mais chamam à atenção de cientistas e profissionais de saúde que atuam no combate a doença. Para se ter uma ideia da agressividade do vírus, para fazer o atendimento a um paciente em isolamento hospitalar por conta do Covid-19, as equipes médicas necessitam dobrar o uso dos materiais de EPI (Equipamento de proteção individual), se comparado a um paciente acometido em tratamento por outra enfermidade, para minimizar o risco de contaminação.
Em Dourados, a falta desses equipamentos para o uso dos profissionais de saúde que estão na linha de frente tem nos gerado grande preocupação. Há relatos da falta de itens como máscaras simples e luvas. A inexistência destes materiais básicos nos hospitais e unidades básicas de saúde pode se tornar ainda mais grave, caso seja confirmada a tendência de aumento do número de casos entre a segunda quinzena de abril e o começo de maio.
Nesta semana, a Prefeitura de Dourados flexibilizou as medidas de combate ao coronavírus e autorizou a abertura do comércio, seguindo a recomendação do Ministério de Saúde que normatiza a circulação de pessoas em municípios no qual o índice de ocupação dos leitos de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) é inferior a 50%.
É consenso entre os especialistas e pela OMS (Organização Mundial de Saúde) que o isolamento social é a única alternativa para achatar a curva de crescimento da pandemia. No entanto, esse apelo das autoridades para a população permanecer em casa também resulta no agravamento da recessão econômica, que só pode ser minimizada com a adoção de políticas públicas para estimular a economia e proteger os mais humildes neste momento de grande vulnerabilidade.
Esse dilema, que coloca de um lado os empresários (que precisam reabrir seus negócios para evitar maiores prejuízos e garantir a manutenção dos postos de emprego) e do outro as recomendações dos organismos de saúde (que defendem o isolamento e distanciamento social), está entre os gargalos que existem no enfrentamento ao Covid-19 em Dourados.
A retomada das atividades, com a reabertura do comércio, exige uma presença mais ativa do poder público para garantir a aplicação do protocolo sanitário. Isso pode ser feito através de ações planejadas, com a presença nas ruas de servidores devidamente protegidos e treinados para orientar populares e comerciantes. A simples publicação de recomendações do Ministério da Saúde no Diário Oficial do Município não assegura eficácia às ações e muito menos é uma garantia que as orientações estão chegando à população de forma geral.
A situação vista nas ruas de Dourados é exatamente outra. Em vários estabelecimentos comerciais é possível observar que as normas de distanciamento, decretadas pelo município nestes locais, não estão sendo cumpridas por populares do lado de fora.
Presenciei um grande número de pessoas, muitas delas idosas, sem nenhum tipo de proteção e aglomeradas em filas à espera de atendimento em um posto de apoio do Banco do Brasil instalado na área central de Dourados. A grande maioria das pessoas desprovida do uso de máscaras, umas por falta de informação e outras pela dificuldade de acesso ao material de proteção, já que o equipamento se tornou quase um ‘artigo de luxo’ no comércio local e, mesmo se puder adquiri-las, o cidadão dificilmente vai encontra-las disponível nas farmácias da cidade.
O mais grave de toda essa situação é verificar a inexistência de qualquer tipo de fiscalização, por parte do município, para verificar se os estabelecimentos cumprem as normas de higienização e de contenção a aglomerações.
Seguindo o exemplo de Campo Grande, Dourados necessita de uma intervenção mais rigorosa do poder público para organizar o funcionamento das atividades comerciais em tempos de pandemia. Na capital, o comércio também foi reaberto nesta semana. Entretanto, por lá o município montou uma grande operação envolvendo quase 400 servidores de diversas áreas para garantir que as regras sejam cumpridas, orientar os comerciantes e consumidores sobre as medidas de distanciamento e fluxo de pessoas dentro dos estabelecimentos.
Em Dourados, essa força-tarefa poderia ser montada com a utilização de guardas municipais, agentes da vigilância sanitária, agentes da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) e, principalmente, com a participação dos agentes de endemias, que são os profissionais qualificados para realizar visitas em comércios e domicílios, mas que em Dourados estão em quarentena em casa e afastados de suas atividades devido à falta dos equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados para o coronavírus, como máscaras e luvas, além de álcool em gel.
É dever do município a busca por alternativas, para oferecer condições de trabalho aos servidores e coloca-los nas ruas para auxiliar a população em um momento de tamanha dificuldade como vivemos atualmente. Esperar a chegada dos produtos adquiridos pelo governo federal na China e que, posteriormente, serão distribuídos para Estados e municípios, é sem dúvida muito conformismo, principalmente por se tratar do segundo maior município de MS e por contar com um orçamento próprio superior a R$ 1 bilhão ao ano. O poder público municipal precisa liderar o enfrentamento a essa doença. Precisamos de mais atitude.
Uma ação simples, mas que pode suprir inicialmente a falta de máscaras e aventais, por exemplo, seria organização de parcerias para que costureiras autônomas e entidades locais produzissem os materiais de proteção. Esses materiais poderiam ser adquiridos facilmente pelo município e com dispensa de licitação, em virtude da vigência do decreto de calamidade pública que autoriza o poder público a realizar despesas emergenciais.
A cooperação e participação dos organismos que compõem a estrutura de saúde na tomada de decisões também são fundamentais para garantir mais transparência e eficácia às ações de poder público. Neste sentido, nos traz grande preocupação a informação de que o Conselho Municipal de Saúde de Dourados, que é o órgão que propõe, fiscaliza e regulamenta diretrizes da saúde pública, não está sendo sequer informado das medidas que estão sendo tomadas para conter a doença. O conselho de saúde, que constitucionalmente representa a sociedade civil no planejamento das estratégias de saúde de um município, não teve direito a voz nem no comitê de crise criado pela prefeitura para monitorar as despesas e ações desenvolvidas no enfrentamento ao Covid-19.
O Ministério da Saúde prevê que o ápice da crise do coronavírus atinja o Brasil no decorrer dos próximos 40 dias. As ações para evitar a rápida propagação do vírus em Dourados precisam ser imediatamente debatidas, planejadas e implementadas com a participação dos organismos de saúde. O não fazer, o esperar e as desculpas não vão trazer bons resultados e podem resultar em mortes e sofrimento para a nossa gente.
(*) – É engenheiro agrônomo, mestre em gestão e produção agroindustrial. Exerce o segundo mandato de deputado estadual pelo MDB